Ontem (14), no Museu de História Natural e Ciência de Lisboa, houve um encontro entre dois grandes escritores, que vieram à cidade por ocasião do Lisbon & Estoril Film Festival (um festival de cinema muito badalado por essas bandas do Mediterrâneo). No anfiteatro superlotado (afinal, minhas suspeitas de overbooking estavam confirmadas já no hall do Museu, de onde víamos passar J. M. Coetzee [Nobel de Literatura em 2003] e Paul Auster [romancista e roteirista de cinema]), o sul-africano e o norte-americano promoviam o livro Here and Now: Letters (2008-2011), lançado em março deste ano pela editora norte-americana Viking Adult, que trata da amizade epistolar entre os dois autores.
Mas não foi exatamente as figuras sóbrias e límpidas dos renomados autores o ponto mais importante da noite, senão aquilo a que estou chamando de cultura do ler, que se expressa no esforço (e isso não é, afinal, um esforço) de sair de sua casa ou do trabalho, dirigir-se ao Museu, comprar um bilhete a dois euros, estar presente no anfiteatro para ouvir trechos da correspondência entre dois autores, na voz dos mesmos. E digo que a cultura do ler não se expressa somente em eventos literários, como foi o caso do encontro de ontem, mas nos transportes públicos, na praça, no café, nos bares. É comum ver pessoas em situações, que diríamos desfavoráveis à prática da leitura, com livros na mão (e lendo) até chegar a estação de descida, até chegar o café, até a vinda do namorado, até o cachorro terminar de brincar.
Em tempos de um mundo em que a Literatura é a primeira a ser abandonada do navio num naufrágio (e, cá pra nós, nem sei se ela chega a embarcar); em tempos de austeridade econômica global, de uma sociedade cada vez menos humana, é grandioso ver e ouvir Paul Auster e J. M. Coetzee. Mas me espanta ainda mais ver pessoas circulando com livros pela cidade.
P.s.: eu gostaria muito de enviar uma foto dos autores, mas foi expressamente proibido o registro de imagens no evento.
Yurgel Caldas, professor do Curso de Letras da Universidade Federal do Amapá (Unifap).
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