A gente nunca sabe lidar com a perda das pessoas de quem a gente gosta. Sejam familiares, sejam amigos, sejam colegas, a gente apenas não tem os mecanismos, emocionais ou sociais, pra lidar com a idéia de que uma pessoa que é importante pra nós, de cuja presença nós gostamos e precisamos, apenas foi tirada do nosso convívio e não existe a chance de que ela volte. Soa errado, soa arbitrário, soa cruel. É o tipo de coisa que, por mais que aconteça, por mais que a gente tente entender, por mais que seja parte do processo e da dinâmica da vida em si, nunca fica mais fácil, nunca faz mais sentido. Por mais que a gente viva, por mais que aconteça, a gente nunca vai ficar mais experiente nisso, aprender a lidar melhor, estar realmente preparado pra perder alguém.
Por isso cada um acaba desenvolvendo sua forma de lidar com isso. Sejam métodos pessoais, sejam doutrinas religiosas, nós buscamos formas de encontrar conforto e possivelmente alguma lógica na perda. Pensamos que as pessoas de quem nós gostamos foram pra um lugar melhor, consideramos que tudo que acontece, de bom e de ruim, é parte de um grande plano, imaginamos que existe uma lógica positiva por trás dos eventos negativos e esperamos algum dia compreender isso, não apenas pela garantia da felicidade das pessoas de quem sentimos falta mas também para permitir que a gente veja o mundo como um lugar bom e justo.
E bem, como já mencionei antes, eu não sou uma pessoa muito religiosa. Eu não consigo acreditar nos grandes planos, eu não consigo confiar nas grandes maquinações, eu tenho dificuldades de entender que existe algum critério, por mais insondável que seja, que defina quem fica e quem parte, quem merece e quem não merece. Claro, eu gosto de pensar que existe algo como um céu, que existem recompensas pelas coisas boas e para as pessoas boas, que todo mundo que a gente perde está num lugar melhor, recebendo o que mereceram por serem as pessoas espetaculares que foram, não apenas por eles, mas também porque isso permite ver um pouco de lógica no mundo e não achar que tudo não passa de acaso, sorte, azar e coincidências. Não é algo que eu acredite, não é algo que eu sinta que é verdade, mas com toda certeza é um desses assuntos nos quais eu torço pra estar errado.
Então a minha visão sempre foi a de que, como eu não sei se existe realmente algo depois, se existe mesmo um “lá”, tudo que eu posso fazer é manter as pessoas de quem eu gosto, mesmo que elas tenham partido, o mais próximo possível de mim enquanto ainda estou aqui. E eu tento fazer isso lembrando delas, do que elas foram, do que elas me deixaram e do que elas me ensinaram. Um pouco porque elas são parte de mim, um pouco pela saudade que elas deixam e um pouco pela minha idéia de que, ainda que pessoas possam partir, as histórias sempre ficam, e contando essas histórias nós damos um jeito de manter essas pessoas mais perto.
E ontem eu perdi um grande amigo, um daqueles caras que eu tranquilamente considerava meu irmão, o Ronaldo Campbell, que não apenas estudou comigo na faculdade como também dividiu a mesma casa nos tempos de república. E junto com a incredulidade de ver partir um cara mais novo que eu, possivelmente uma das pessoas mais animadas que eu já conheci e da tristeza de saber que nunca mais eu vou poder conversar, beber ou apenas jogar videogame com ele e reclamar que ele usa macetes, me vieram a mente todas as histórias que eu, ele, e tantos outros amigos, temos juntos.
Porque o Ronaldo é parte de muitas histórias. Ele era do meu grupo quando apresentamos aquele trabalho de filosofia bêbados e criamos o “paradigma do gato-tijolo de kant”, ele estava na minha classe quando fizemos aquela apresentação e perdemos pontos por usar fogos de artifício dentro de um prédio, ele estava no meu time de futsal quando eu fiz um gol tomando uma bolada na costas dada pelo goleiro adversário. Na verdade ele foi a primeira pessoa a vir comemorar comigo e disse que finalmente eu tava botando em prática o que fazia nos treinos.
Ele disputava rodas de bisca na república valendo garrafas de bacardi, ele foi meu cúmplice naquele noite em que começamos a roubar pequenas coisas numa loja de conveniência, deixamos a idéia fugir ao controle e quase fomos pegos tentando sair com um saco de 50 kg de ração sendo que nem tínhamos cachorro, o que nos fez entender que o crime não apenas não compensa como não faz sentido nenhum de vez em quando. Ele fez aulas de boxe tailandês junto comigo, ele foi meu co-diretor nos dois curta-metragens que eu fiz na faculdade, ele estava do meu lado quando eu quase briguei com um anão num show sertanejo por conta de um mal-entendido. Ele foi um grande amigo, ele foi um grande parceiro, ele foi um cara, sob qualquer método de julgamento que eu consiga imaginar, definitivamente acima da média.
E acho que a melhor forma de honrar o que esse amigo foi pra mim é, mais do que mostrar o quanto eu estou triste pela perda, lembrar o quanto foi divertido e o quanto eu tive sorte de poder conviver com ele pelo tempo que eu convivi. Seja conversando com os amigos em comum, seja falando dele pra outras pessoas, seja contando essas mesmas histórias pros meus filhos daqui a 10 anos ou pros meus netos daqui a 50, eu acredito que essa é a forma que eu tenho pra, se não processar essa perda, pelo menos tornar ela um pouco menor e saber que alguma coisa desse cara tão sensacional ainda vai ficar com todos que gostavam dele. E bem, é isso. Espero que você esteja num lugar melhor, cara, sempre vamos sentir saudade. E nunca vamos deixar de contar histórias sobre você.
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