Por Mariléa Maciel
Domingo era dia de ir pegar um bronze na Fazendinha, a nossa praia inventada. Se fosse mês de julho, os preparativos começavam cedo pra poder pegar uma barraquinha, porque de tão lotada, os cotovelos se esbarravam, e não sobrava um só metro quadrado desocupado, nem cadeiras nos bares dos insuperáveis camarões no bafo. Era o roteiro mais procurado e o ponto de encontro dos que estudavam fora e só vinham aqui nas férias. Fazendinha era sinônimo de bronzeado e paquera, não tinha férias melhor que as curtidas no Macapá Verão.
Pra quem não tinha carro, nem dinheiro pra sentar em um restaurante, o trabalho era dobrado. Tinha que fazer farofa, arroz e alguma comida pra não passar fome antes de enfrentar uma quilométrica fila na praça Presidente Vargas pra entrar no Estrela de Ouro. Quem conseguia ir sentado era sortudo, ou tinha que ir pendurado no corredor que cheirava a comida ensacada ou algo parecido com suvaco abafado. Depois da longa viagem era preciso andar mais um estirão, porque o ônibus não descia até a praia, e ainda procurar um lugar pra estender a toalha e esperar ser atingida por areia jogada a cada instante.
O buraco ainda não existia na camada de ozônio, então, quanto mais quente o sol, melhor. A moçada levava a sério o “deixa o sol beijar você”. Era um desfile de corpos lambuzados de bronzeador, mas também de receitas inusitadas, como manteiga, coca-cola e água oxigenada com amoníaco. Se deitasse na areia ficava no ponto pra ser fritada empanada pelo sol. Era raro quem tinha o “ Haito de Sol”. Na hora da fome começava o abre sacola pra tirar as marmitas e talheres pra comer ali mesmo, no meio da vuca que virava a Fazendinha após o meio dia.
A cada verão criavam uma moda que pegava até a próxima temporada. Houve a época do violão na areia, das rodas de samba, da boate, do Acaraluando, que pra chegar tinha que atravessar o igarapé até o outro lado. Em umas férias uns amigos inventaram de colocar caiaques em Fazendinha. Formavam filas pra andar no solitário e apertado barquinho depois de pegar uma aula-relâmpago de como usar um remo com duas pontas e se equilibrar naquele barco que pra usar, tem que vesti-lo. E lá iam remando com o corpo tão próximo da água que dava pra ver de perto as vísceras que vinham do matadouro municipal e boiavam no igarapé que cruzava o amazonas.
Tinham também os medos que cada ano só aumentavam. Eu abandonei minhas aventuras de caiaque quando inventaram que nesse igarapé tinha uma pirarara com a boca tão grande que engolia um adulto de uma só vez. Ninguém ligava muito pra poluição ambiental, então não existia o medo de entrar no rio por causa de coliformes fecais, no entanto havia o medo do canal, que diziam que sugava quem chegava perto. Tinha ainda a draga que foi colocada no canal e que, disque, triturava gente.
Mas o melhor de Fazendinha era a paquera. No meio da farofada, bronzeador e camarão, sempre tinha alguém pra namorar. Quando a tarde chegava ao fim era a hora de preparar a volta pra casa e reforçar aquele pedido de encontro mais tarde nas tertúlias ou na praça Zagury. Arruma tudo e enfrenta mais fila com o corpo tão ardido que quem desse um beliscão corria o risco de ser agredido.
As filas, o sol no couro, a areia no rosto, a pele ardida, os medos, as vísceras, tudo era recompensado nas memoráveis tertúlias do Macapá, Amapá Clube, Star Club e Círculo Militar, quando os encontros marcados eram concretizados e, com as marquinhas do bronzeado com manteiga, o beijo no portão estava garantido. No domingo seguinte, ninguém lembrava mais das dificuldades e repetiam tudo de novo. Assim acabavam os melhores domingos de verão em Macapá,quando as portas ficavam somente encostadas, as festas terminavam meia-noite e não havia aparelhagem nos carros.
Fonte: http://www.alcilenecavalcante.com.br/alcilene/fazendinha-bronzeado-com-manteiga-paquera-e-farofa
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