Passagem de uma alquimista
Para Fernando Bedran
“Felix qui potuit rerum cognoscere causas” (Virgílio) (*)
“Otium cum dignitate” (Cícero) (**)
I – Panegírico insuspeito: da morta que viajou
O Eu da Dona Euda deixou presságios no ar
Como se fosse um aziago destino posto no céu
Um voo de curto percurso bramindo as asas da dor
Talvez a voz do caminho no curso da fonte à foz
Talvez um nó desprendido da corda da existência
Talvez um trajeto oculto da noite definitiva
No tênue rio que se torce em busca de um mar de luz
II – Ritual e penitência: da aventura e desterro
Palavras clivam a matéria e um grito exorciza o mal
- Que ritos, que liturgias me trazem esses anjos loucos,
Essas estrelas caídas, sedentas de novos cosmos?
- São gestos que purificam a pena dos degredados
No ato de libação à borda dos precipícios.
III – Platônicas paixões: da intemperança dos deuses
Do útero da caverna a morte espreita silente
Por ser um caminho de almas de irreversível viagem
(-Falava o republicano nas ágoras helenistas.)
Mas arde um fogo e a esperança nas sombras que se projetam
Em busca de elevação e do libertar das correntes
Dos laços, dos elos duros aos quais chamamos paixões.
Evoca-se (de chofre) o sopro - a alma viva – o início
Uma energia circulante por dentro dos alimentos
Dos deuses desesperados, visto a falência do Olimpo.
IV – Herança de Cagliostro: da aprendiza aplicada
Onde a ambrosia – néctar imortal, bálsamo que cura?
Onde o alecrim, a hortelã e os elixires,
A Alquimia misteriosa - a erva/o aguardente/as mãos habilidosas?
Onde, onde? Insiste o vento-remoinho em sua estada no bar
- No âmbar que protege e liga
O fio da vida à Alma Universal
(- Dizem os querubins obesos nas notas de suas trombetas.)
V - Epifanias em curso: do amor e dos equinócios
Decerto, agora, não haverá mais o vazio - o abismo temerário.
E nem a angústia, mas uma luz acima acesa e envolvente
E o amor que nutre o instante e move o tempo - de passagem
Na retidão do equinócio mais perfeito da tua alma.
Macapá, 19.03.2013
__________________________________(*) Feliz daquele que pode conhecer as causas das coisas.
(**) O descanso honrado.
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