Por Marcelo Guido
Pois bem amigos e amigas, desculpem o atraso, mas estamos aqui mais uma vez para falar de um disco. Sei que a introdução pode ser chata, mas diferente do que todos vocês esperam o disco em questão não vai decepcioná-los. Trata-se do primeiro álbum de uma das bandas mais importantes do Brasil nos saudosos anos 90. “Usuário”, do Planet Hemp , de 1995.
Bom já falei do período negro pelo qual passava a música nacional nos anos 90, quem leu o texto 2 dessa saga entende o que alo, o caminho tortuoso desbravado pelo Raimundos começou a dar frutos. As gravadoras apostaram em bandas que atuavam no cenário Underground e as lojas, casas, e rádios foram invadidas por bons sons cantados em português.
Usuário foi a porta de entrada, ou melhor, os dois pés na porta que o Planet deu para o sucesso, a banda já estava na ativa desde 1993 e já era uma figurinha deveras carimbada no cenário carioca. Temática implícita a favor da legalização da maconha, critica social e o linguajar popular das letras faziam com que o grupo caísse fácil no gosto popular. Então o que faltava para os caras estourarem?? Coragem para as gravadoras.
As grandes gravadoras nunca tinham apostado nisso, como encarar uns caras que tinham vindo do morro e que cantavam e tocavam uma mistura que ia do Hardcore ao Samba? Pior, com letras que falavam de “Maconha” (assunto infelizmente proibido em muitos lares ainda hoje em dia), violência policial? Um dia-dia que não passa na novela das oito? É gente boa, a rapadura e doce, mas não é mole.
O implícito posicionamento a favor da legalização fez com que o Planet se tornasse aos poucos uma das mais importantes bandas nacionais da década de 90. A polêmica só ajudou na divulgação da bolacha e “Usuário” chegou fácil as 140 mil copias vendidas e ganhou disco de ouro, fato importante em uma época em que sertanejo, pagode e axé ainda dominavam praticamente tudo.
“Dichavando” o bagulho, o disco começa de “cima” como se fala na gíria “Não compre plante” fala sobre a relação existente entre o trafico de drogas e o usuário, acredito ser a primeira música que fala sobre essa relação, dando uma simplória solução para quem é adepto do uso, não compre plante. Depois vai para “Porcos Fardados”, um olhar deveras preconceituoso sobre nossa instituição pública de segurança (policia) escrachando para quem quiser ouvir que lá realmente existe corrupção e opressão.
Em seguida, “Legalize já”, essa sim o primeiro osso duro de se ouvir, teve o clipe censurado na TV e nos fez lembrar os áureos tempos da não saudável ditadura militar, mas mesmo assim bradou que uma erva natural não pode me prejudicar. Já “Deisdazseis” nada mais é que uma pequena mostra do que o grupo queria, mostrar que não tem problema em falar o que quer. Na sequência, “Phunky Buddha”, diz faço o que quero e não vou me prejudicar, seguindo a linha da tão falada liberdade de expressão e sobre as leis arcaicas que nossa sociedade ainda tem com relação a maconha.
Por sua vez, “Mary Jane” , é hardcore legal cantado em inglês , muito bom. Seguida por “Planet Hemp”, uma vinhetinha para “destravar” e “Fazendo sua Cabeça”, uma das mais polêmicas músicas, fala de um Rio de Janeiro real, não aquele do “Leblom”, do Manuel Carlos e de suas Helenas, uma cidade onde tem praia, favela, maconha, bebida, tiroteio e arrastão, ou seja, muito mais que um belo cartão postal.
Depois vem “Futuro do País” começa como um “sambinha” e evolui para uma porradaria, a letra fala do abandono dos menores de rua que existem em nossas cidades, clama por atenção para o nosso futuro (crianças) que além de ter fome de comida, tem fome de cultura e são vitimas de nosso sistema. Aí vem“ Mantenha o Respeito”, o cargo chefe do disco, caiu no gosto por ser uma letra simples que pede nada mais que “Respeito”, respeito pelo cidadão que faz suas próprias escolhas, lembrado que vivemos em uma democracia e chama para um debate sobre as leis ah, um recado bom “Respeito bom e mantém os dentes no lugar”.
Continuando,“P...Disfarçada” o consumismo em pauta, a falta de cultura e valorização da imagem. Jovens entendam isso, “Speed Funk”, outra providencial e instrumental vinhetinha. Em “ Mutha Fuckin`Racists” outra na língua da Rainha, mas essa fala de racismo. Seguida por “Dig, Dig,Dig Hempa”, outra faixa sobre a legalização , conta sobre a manipulação do sistema na questão das drogas transformado em preconceito. Já “Skunk”, homenagem instrumental ao falecido membro da banda.
“A Culpa é de quem ??”, faixa essencial que conta a relação de um trabalhador que paga impostos mas que vai ser preso se tiver a vontade de fumar um “Baseado”, mostra o quando somos induzidos a beber por exemplo, é camaradas o sistema faz isso, “Bala Perdida”conta a ineficiência do modelo americano de combate as drogas, o falido modelo de subir atirar e matar já provou que não dá certo. Resumo da ópera: um DISCÃO!
Bom, entender a questão fica a cargo de cada um, o debate já foi aberto e de uma maneira singular. Usuário (o disco) já se deu a esse trabalho.
Os que ouvirem o disco entenderão que esse primeiro VINIL do Planet não chegou aonde chegou por falar apenas de um assunto proibido, mas sim por ser também pioneiro na fusão de gêneros, como colocar um DJ (Zé Gonzales) junto de guitarra e baixo, buscar nas fontes da cultura negra um meio de renovação. Depois desse álbum, tudo ficou mais aberto e calmo.
Duas coisas a aprender quando ouvir esse disco:
A primeira é que o debate sobre maconha, violência e miséria não pode ficar restrito aos guetos e sim ser convidado se sentar na sala de jantar. A segunda é que o D2 bom é aquele cara do Planet. No mais, por hoje é só pessoal....
Marcelo Guido é Punk, Jornalista, Professor, Pai e Marido “Saiu hoje para tomar uma cerva pra destravar...”
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