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quinta-feira, março 24, 2011

Uma surpresa em meio a um oceano de previsibilidade

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                                                                    Por André Mont`Alverne

Pra alguém que tá sempre ouvindo música, é difícil ter aquela sensação de surpresa quando a música começa. Esse sentimento era bem mais sentido antigamente e tá ficando cada vez mais raro. E isso é porque agora nós organizamos o nosso playlist, preparamos uma sequência escolhida a dedo em um CD virgem ou abastecemos a Pen Drive até enchê-la. Em outras palavras, musicalmente, nós somos alimentados por nós mesmos a maioria o tempo.

Tudo bem que quando olhamos ao redor, ou melhor, ouvimos ao redor. Só nos resta agradecer aos céus por essa liberdade e pelos fones de ouvido também, mas isso é uma outra história.

Me digam quem nunca ouviu uma música que gosta na Rádio FM do carro, e mesmo tendo o disco original guardado no porta luvas, aumentou o volume e ouviu com mais atenção ou vibração? Eu sei que hoje parece impossível. Mas acreditem, isso já aconteceu.

Bem, essa é aquela gostosa sensação de surpresa. Ela é um dos motivos pelo qual eu deixo muitas bandas guardadas e trancadas na gaveta, deixando que o tempo faça com as músicas o mesmo que ele faz com o vinho.

Isso me lembra uma viagem que fiz de ônibus. Dois dias de BH para Belém. Onde eu tinha em mãos um Disk Man e somente um (1) disco. "The Man Who" do Travis, que na época era lançamento.

Eu acho o Travis uma banda legal, principalmente por ter pensado que eles seriam o que o Coldplay é hoje, e não são. Ponto pra eles.

Mas depois dessa viagem, eu nunca mais vou escolher o Travis. Eles não vão estar em nenhuma relação de músicas escolhidas por mim. Nem mesmo no meu dia mais eclético, saudosista e romântico. Se dependerem de mim pra ouvir um acorde que seja do Travis, eu só vou poder lamentar.

Bem, esses dias, eu tive uma grande surpresa. Enquanto eu estava com a minha atenção totalmente voltada pra alguma coisa que eu esqueci agora, a TV estava ligada somente pra preencher o silêncio. Passava uma série americana que eu jamais acompanhei e não sei nem sobre o que se trata. Repentinamente ouvi uma voz familiar que prendeu a minha atenção e me fez aumentar o volume. Pelas imagens, percebi que era o final do episódio daquele dia.

Assim, sem mais nem menos, sem aviso prévio qualquer. Foi exatamente assim que um velho amigo invadiu meu ouvidos. A bordo de um Barco de cristal, depois de muuuito tempo, me causando uma sensação que misturava surpresa com nostalgia. Uma exaltação que provocou, acima de tudo, um enorme bem estar. E ainda despertou em mim, um leve interesse pela série americana que se chama "Supernatural".

Era uma voz apaixonante que recitava uma poesia sombria com uma doçura inigualável. O velho, o bom e inesquecível Jim Morrison, o Deus do Rock, o Rei Largarto. Sempre achei o Jim a mais perfeita representação de um astro do Rock. O cara era bonito, carismático, totalmente insano e com um talento que parecia ser um don divino.

A música Crystal Ship, que encerrava o episódio da série, era um bilhete de despedida de Jim para uma antiga namorada, Mary Werbelo. É uma balada poética, uma obra prima que está no primeiro disco do The Doors. Incrível como essa canção passa uma sensação de sonolência, de leveza, uma viagem mesmo, como se navegássemos lentamente em águas calmas.

A bateria em baixo volume e a liberdade harmônica do teclado faz essa musica parecer uma mistura de jazz com bossa nova. É onde, em um canto suave, Jim Morrison encontra o clima perfeito pra passa a sua mensagem. Mensagem de alguém que, na vida, escolheu a intensidade e disse não a longevidade. E como a música diz “Deliver me from reasons” é a melhor maneira de apreciar tudo isso.



É por essa sensação, e por outros vários motivos, que eu sou totalmente contra a exposição excessiva de grandes artistas. Com o facebook compartilhando links pra todo mundo fica difícil fugir disso. Aquela música dos Beatles diz exatamente o que você ta sentindo? Claro que sim! Porque você acha que eles são os Beatles?

Aquela frase do Chico Buarque parece que foi feita especialmente pra você falar pra sua namorada? Claro que sim! Porque você acha que ele comeu tantas mulheres. Às vezes, o bom é sermos nós mesmos no meio da platéia e apenas aplaudir! Não vamos deixar o que é genial se tornar banal.




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