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terça-feira, dezembro 04, 2012

O bonde do vazio (texto do jornalista Elder Abreu)

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Por Elder de Abreu

Liderada pelo funk, forró universitário e pelo sertanejo, a cultura de massa no Brasil está em queda livre. E essa trajetória, rumo ao fundo do poço, é impulsionada cada vez mais pelos fortes apelos sexuais e etílicos das letras musicais. Esses ritmos, que dominam a preferência nas rádios e apresentações de programas televisivos, são embalados por dois aspectos centrais: a “coisificação” da mulher e o incentivo ao consumo de álcool.

Nos tempos da Tropicália, o tratamento dispensado à figura feminina era cortês, a base de elogios e exaltação do amor. Já hoje, é comum nas composições de funk as mulheres serem xingadas de “cachorras”, “safadas”, “otárias”. E o pior de tudo é que elas ainda agradecem por isso, quando, no salão, requebram-se com passos que extrapolam os limites da sensualidade e rebaixam a coreografia ao vulgar, ao fútil.

Mas não são só as mulheres o alvo da metralhadora depreciativa dos MCs. Quando a voz é feminina, é a vez dos homens serem taxados: “trouxa”, “vagabundo”, “otário”... É daí pra baixo. Já no forró universitário e sertanejo a ordem é encher a cara até o talo. Não que não seja divertido “tomar algumas” de vez em quando, mas “beber até cair no chão” – como mandam as músicas – é ridículo. É o estímulo ao papelão.

É fato que os tons musicais desses estilos não são de se jogar fora. São ritmos animados – até demais! –, que contagiam. O problema é o “vazio das letras”. São produções textuais pobres do ponto de vista poético e social. Não ensinam nada de positivo.

Se não, vejamos: imagine que sua namorada vai com as amigas a uma festa, a qual, por algum motivo, você não pôde ir. Primeiro sequências de sertanejo e forró pra encorajar o estado etílico delas. E quando estiverem realmente (des)calibradas, o DJ solta o funk. Só que usaram o celular para filmar a ela e suas amigas empolgadas ao som de “Passando a mão”, de MC Roba a Cena – muito tocada nas barulhentas caixas de sons das (dos) malas de carro na orla de Macapá. Em questão de instantes o vídeo ganha a internet e lá está um cara sarado atrás da sua “amada” fazendo exatamente o que a letra da música manda: “naquele pique, mulher! Chegou a parte safada do baile / que elas ficam com muito tesão / se parar na minha frente / eu vou te passar a mão. Passando a mão / passando a mão / passando a mão / passando a mão naquele popozão”.

Mas não coloquemos somente os homens na saia justa. A situação poderia ser inversa. Então lá estaria o seu namorado atrás de uma “cachorra”. Fazendo o quê? “Passando a mão / passando a mão / passando a mão / passando a mão naquele popozão”.

Na verdade, trocado em miúdos, os conteúdos de funk, forró universitário e sertanejo são a tradução clara do que Renato Russo quis expressar quando escreveu “tem gente que fala demais por não ter nada a dizer”.

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