E foi mais um natal com todas as tradições, e com ele, um clima que só temos em dezembro, mesmo nos raros dias do ano em que as nuvens escuras tomam o lugar do sol dilacerante, mas não e mesma coisa. Tempo da chuva imprevisível, de sair com roupa de verão e cair uma tempestade, ou o contrário. Tempo de manga, quando podemos andar nos bairros mais tradicionais de Macapá e espocar frutinhas verdes no chão, correr o risco de uma madura cair na cabeça, e ver os vendedores com as varas cutucando as árvores.
Lembro dos antigos natais, quando o dinheiro era pouco pra ganhar todos os presentes e papai noel marcava presença grudado na parede, em papel laminado, com barba de algodão e estáticos olhos azuis. Era costume criar um porco no quintal, alimentá-lo com restos de refeições e na véspera de Cristo nascer, ter que tampar os ouvidos para não ouvir os gritos do bicho na hora do abate. Depois só víamos o suíno quando era pelado e mais tarde na ceia, com o corpo dourado e a cabeça servindo de tira-gosto, quando o vinho subia para a cabeça. Nada se perdia do coitado.
Nos dezembros antigos, era quando se tirava das caixas as embalagens que só víamos com fartura em dezembro. O leite moça, as cerejas e as compotas há tempos compradas e alvo de cobiças da molecada por meses. Por isso que existem comidas que só têm sentido no natal, nos outros meses come-se, mas não tem o mesmo gosto da infância, sem a chuva, as luzes, e os cheiros da época. Comer panetone ou peru recheado em junho, é como tomar mingau de milho em dezembro, ou ver papai noel em agosto. Uva-passa, frutas cristalizadas, nozes, só têm significado em época natalina, nas outras, só pra tentar matar a saudade, mas o gosto que deixa na boca é de papelão.
Antes em Macapá, as lojas que vendiam pisca-pisca e outros enfeites natalinos eram poucas, e não tinha muita opção. Então papai, que amava o natal, esperava seu fornecedor chegar da Zona Franca de Manaus para despejar em nosso pátio as centenas de quinquilharias importadas que ficariam pendurados até Dia de Reis. Da árvore de natal à guirlanda, tudo vinha do Amazonas, o resto a gente fazia em casa, mesmo. Era o tempo em que se entregava cartões de natal, e as árvores ficavam cheias deles pendurados. "Feliz natal e próspero ano novo, da família tal", "Boas festas", diziam.
No Laguinho, dezembro é esperado com ansiedade. O mês começa com a ressaca do Encontro dos Tambores, uma pausa para arrumar as casas e disputar, sem que haja concurso, pra ver quem enfeita mais e melhor a fachada, do mais humilde ao mais remunerado. Esperamos com ansiedade para ver como vai fluir a imaginação de alguns moradores ao decorar a casa, e enxergamos, com reflexo nos olhos, as centenas de luzes cadenciadas. Alguns exageram e iluminam até o contador de água e a casa do cachorro. Mas não há limite para o único mês em que a cabeça não está preocupada com conta de energia.
Alguns moradores mudaram do bairro, e outros ocupam as casas, mas a magia do bairro permanece. Mesmo com a General Rondon tomada de comércios, continua o clima de quando moravam famílias nascidas aqui, e nas esquinas ainda acontecem os encontros bebemorativos, relembrando histórias e moradores, com as intermináveis e inesquecíveis piadas do Miguelão, Pururuca, Bomba-D'água, Rato, Sacaca, e toda sorte de moradores destinados a nascer ali, na beirada do Poço-do-Mato. É o tempo mais esperado porque tem a festa do Banco da Amizade, quando os moradores que moram longe fazem uma visita, e as divergências políticas, de carnaval e futebol acabam, e o que vale por aqui é confraternizar e esperar chegar o carnaval, pro ano poder começar.
Mariléia Maciel
*Só vi o texto hoje no meu e-mail e gostei muito, por isso ele foi publicado atrasado.
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