Merla e Crack
Nos últimos dias e noites, estive em batalha campal contra inimigos ocultos e outros nem tanto. Há tantos ladrões em Macapá, que seria necessário construir pelo menos cinco novos complexos penitenciários. Os ladrões têm atazanado a minha paciência e dos meus amigos. Já perdemos a conta de quantos telefones celulares nos foram furtados.
Um dos aspectos mais emblemáticos da ladroagem é sua face oculta. Existem os ladrões profissionais, que investem na carreira e tratam o seu ofício como outro qualquer. Nesse rol estão empresários, políticos e uma hierarquia que termina com o reles ladrão de galinha.
O ladrão profissional deveria ter carteira assinada e aposentadoria paga pelo INSS. Afinal, quantos nobres bandidos travestidos já não gozam desse benefício?
Vamos deixar os figurões de lado, pois quero explorar aqui a figura do ladrão circunstancial: é aquele sujeito que se vê na premência de subtrair o celular alheio para alimentar o seu vício. Refiro-me à famigerada legião de dependes de crack e merla que vagueiam como zumbis pelas vielas escuras das bocadas de Macapá e Santana.
O crack, todos sabem, é a “pedra da morte”; a merla, eu a denominei de “Lady Mellody”, em alusão a duas drogas: a química - feita da borra da cocaína – e o estilo musical oriundo do Pará, cuja poesia, lirismo e conteúdo estão abaixo de zero.
A história é mais ou menos assim: era uma vez um cidadão respeitável, com emprego fixo, esposa bonita, também empregada, e filhos maravilhosos. Um belo dia, após ingerir uns tragos de cerveja e várias talagadas de cachaça, esse sujeito é apresentado à insuspeitada Lady Mellody. Os pais de dependentes, que porventura lerem este texto, saberão que o vício é instantâneo. E as conseqüências são nefastas para todo o clã.
Não vou citar nomes, mas o problema das drogas é o mais grave do Amapá, até mesmo que o da saúde pública. O homem que depende da Lady Mellody perde todos os valores morais. Primeiro, começa a faltar ao emprego, é demitido e, na sequência, sua mulher, desde que também não seja viciada, o abandona. Já na sarjeta, se lhe resta algum bem material, certamente ele será vendido para alimentar o casamento com a Lady Mellody.
A pior fase acontece quando o viciado se transforma em mentiroso compulsivo e ladrão contumaz. Furtam cartões de bancos de parentes. Mas o grande alvo dos “Mellodies” é mesmo o telefone celular, artigo de fácil aceitação e melhor moeda de troca nas bocadas de qualquer cidade. Em Macapá não é diferente.
Dito isto, para todas as famílias que convivem com o drama do crack deixo uma mensagem de esperança. E, especialmente, para os que estão casados com Lady Mellody, esta senhora perniciosa e desdenhosa, escrevi o seguinte poema:
Guerra total - (Régis Sanches)
O inimigo oculto
Mora dentro de mim
Habita minhas entranhas
Consome meus neurônios
Mutila meu corpo
Possui minha alma
Domina meu espírito
Anula o meu poder
Transforma um Titã
Num boneco tantã:
Nômade, bêbado, trôpego;
Trêmulo, errante, delirante;
Passivo, autodestrutivo.
Derrotar o inimigo oculto
É mister do guerreiro impecável:
Humilde e disciplinado,
Impregnado de amor,
Mestre do autoconhecimento.
É uma guerra sem fim,
Batalha cruel,
Confronto inadiável.
Todos os dias, todas as noites
Uma vitória retumbante
Para, enfim, flutuar
Nas asas da liberdade
Rumo à poeira das estrelas.
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