Hélio Pennafort
Quem quiser bater um papo com o Abreu tem, primeiro, que esperar terminar a missa das oito de uma igreja próxima à travessa 3 de Maio, onde mora essa figura que deixou seu nome marcado na cabeça de uma legião de biriteiros e notívagos que frequentavam o balcão e as mesas de um dos bares mais conhecidos da nossa cidade.
Depois é esperar que ele conclua a caminhada que separa a porta da igreja à calçada da sua casa, quando queima o excesso de calorias e mantém a boa forma de várias décadas.
A prática do cooper e a reza matinal são doias hábitos que Abreu cultiva desde o seu tempo de adolescente. Assim que chegou aqui em Macapá e se estabeleceu na beira de um dos campos do Laguinho (hoje ocupado pelo prédio do Sebrae), Abreu passou a rezar na igreja Jesus de Nazaré, acompanhando as missas do padre Jorge Basile, depois voltava em passo acelerado para colocar o bar em funcionamento, destampando as primeiras garrafas por volta de oito da manhã.
A partir daí o bar nunca ficava completamente vazio. Mesmo na hora do arrefecimento etílico, sempre havia alguém por lá, às vezes só para bater um papo e apreciar o Abreu ajeitar os fragos que mais tarde viraria galetos e se destrinchariam pelas mesas em forma de tira-gosto.
O Abreu lembra desse tempo com carinho, mas sem essa de nostalgia, de montanhas de saudades. Nada disso. Recorda várias passagens engraçadas na vida do bar, como as peripécias verbais do Pedro Silveira, que se valia do vozerão de locutor afamado para animar o salão nas horas de maior movimento. E das brincadeiras que a turma fazia com os colegas, como aquela de colocar respeitáveis nomes numa lista de caloteiros que era pregada na parte mais visível da parede.
Torcedor do Paysandu, desses que pegam malária quando o time perde, Abreu aguentava com paciência a gozação dos remistas que escolhiam justo o seu bar para festejar a vitória do Leão. Faziam galhofa até com o sacrossanto hino do Papão da Curuzu .
Abreu deixou por aqui uma coleção de amigos e admiradores que poucos possuem. O Mário e a Maria - Jucá e Benigna respectivamente -, o Antonio Costa e o Carlos Bezerra, o Isnard Lima e o Jeconias, o Cláudio e o Obdias, os Cantos – Juvenal e Fernando – e mais o magote que se enfronhava nos festins báquicos de todos os dias. Sempre se lembra do comandante Barcellos, que então costumava dividir as alegrias pelas sucessivas vitórias do Fluminense. Hoje, fluminensemente falando Barcellos e Abreu não do têm que se alegrar. O time perde pra qualquer fuleiro.
De modo que foi um prazer enorme reencontrar o Orlando Abreu em plena forma e mais espirituoso do que nunca.
Levamos um papo centrado no Laguinho de um tempo recentíssimo e na versatilidade do seu bar, que de um momento para outro se tranformava em alegria e arte, palco de declamadores e cantores e espaço para autógrafos de escritores.
Tudo sob os acordes das balbúrdias que são a alma e fazem a vida de todos os recantos de biriteiros.
(*) Publicado no Caderno Nota 10, Diário do Amapá, edição de 04 de novembro de 1999.
Fonte: http://fernando-canto.blogspot.com.br/
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