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terça-feira, outubro 22, 2013

Knock-out (ou o amigo do Carneirinho era um lobo)

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Conto de Ronaldo Rodrigues

O Boxeador Implacável, detentor de vários títulos, estava na mesa ao lado, arrotando arrogância, destemor, valentia e arroto mesmo. Era conhecido nos meios pugilísticos e nos bares de beira de cais como Golias. Não o comediante brasileiro, mas o guerreiro gigante filisteu.

Meu amigo Carneirinho estava sentado na minha mesa. Havia trazido um amigo seu que até aquele momento só tinha feito três coisas: beber, fumar e cuspir. Era baixinho e magrinho e, em meio ao barulho e à fumaça, se tornava quase imperceptível. O que me chamou a atenção foi um velho guarda-chuva que o amigo do Carneirinho não largava nem quando ia ao banheiro:

– Ele anda com esse guarda-chuva para se precaver da polícia – me explicou o Carneirinho. – Ele diz que alguém que anda de guarda-chuva está acima de qualquer suspeita, porque parece pacato aos olhos dos outros.

Ouvi a explicação e pedi outras. Por que ele precisava tomar cuidado com a polícia? Por que ele não queria levantar suspeita? Qual era o motivo de tudo isso?

Aí o amigo do Carneirinho se transformou completamente. Pulou lá do cantinho dele e me encarou, bufando e gritando:

– Não tem motivo nenhum, cara! Tá pensando o quê? Que eu sou ladrão, contrabandista, estelionatário? Que fico por aí tocaiando velhinhas pra roubar a aposentadoria delas?

Pedi desculpas, vendo que ele tinha ficado realmente ofendido com as perguntas. Achei exagerada a reação do amigo do Carneirinho, que o acalmou e explicou de novo:

– Sabe como é, né? Ele não tem motivo nenhum pra temer a polícia, mas a polícia não precisa de motivo pra botar alguém em cana. Ela arranja um ou um milhão de motivos, certo?

Concordei, achando tudo meio paranoico. Enquanto isso, o Boxeador Implacável soltou mais um arroto, seguido de um desaforo ao público. Só que desta vez ele não ficou sem resposta. Aproveitando o resto da ira despertada por mim, o amigo do Carneirinho foi até a mesa do campeão e aplicou uma guarda-chuvada no montanhoso cocuruto, fazendo o gigante beijar a lona. 

Carneirinho, cambaleando bêbado, contou até dez e, vendo que o Golias não recobrava a consciência, ergueu o braço do amigo-baixinho-magrinho-que-bebia-fumava-cuspia-e-não-largava-o-guarda-chuva e o sagrou vencedor daquele insólito combate.

O amigo do Carneirinho foi carregado em triunfo. Os bêbados do bar festejaram a vitória noite adentro, com grande estardalhaço. Até chegar a polícia e levar todo mundo em cana, com exceção do amigo do Carneirinho, que saiu assoviando, tranquilo, com seu guarda-chuva debaixo do braço.

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