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quinta-feira, dezembro 12, 2013

A noite dos peixes

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Conto de Ronaldo Rodrigues

A Assembleia Extraordinária convocada pela Grande Ordem dos Peixes não foi atravancada por discursos prolixos ou questões de ordem burocrática. Terminou em poucos minutos, com os Peixes optando por uma firme tomada de decisão frente aos atos praticados pelos Pescadores.

Foi elaborado um manifesto em que os Peixes reclamavam da violação de um antigo pacto firmado pelos ancestrais de Peixes e Pescadores. O pacto celebrava a harmonia entre ambos os lados e determinava a proibição da pesca de filhotes pequenos e de fêmeas grávidas.

Em seu manifesto, os Peixes sugeriam vários caminhos para a conciliação, mas deixavam clara a intenção de invadir a aldeia, caso os Pescadores não fizessem valer os itens do pacto.

Na tarde daquele mesmo dia, o mar levou até a praia o envelope timbrado da Grande Ordem dos Peixes. O Chefe dos Pescadores, obrigado a interromper a sesta para ler o manifesto, ficou com o humor ainda mais azedo.

O manifesto foi lido entre um bocejo e outro e logo o Chefe dos Pescadores desatou a rir estrepitosamente. As gargalhadas se multiplicavam à medida que os outros Pescadores tomavam conhecimento do teor do manifesto.

Em meio à onda de zombaria, sem conter as gargalhadas, o Chefe dos Pescadores enfiou o manifesto no envelope, escreveu displicentemente que Peixes não escrevem manifestos, e o devolveu ao mar.

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No dia seguinte, os Pescadores voltaram a violar o pacto. Ao retornarem da pescaria, trouxeram em suas redes, entre os Peixes adultos, que era lícito pescar, uma grande quantidade de filhotes pequenos e fêmeas grávidas.

Os Peixes ficaram convencidos de que não adiantaria qualquer esforço para evitar o confronto. Reuniram-se rapidamente, formando um numeroso exército, e conceberam um plano de ataque para aquela noite. 

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Na aldeia, os Pescadores faziam uma grande festa, comemorando o sucesso da pescaria, e não perceberam um estranho rumor se elevando pouco a pouco. Os Pescadores só puderam ouvir quando o rumor se transformou num barulho ensurdecedor, que ultrapassou as ondas sonoras lançadas pelos alto-falantes que animavam a festa.

Os Peixes vieram navegando pelos ares e o atrito de seus corpos com o vento era o que produzia aquele barulho, anunciando um trágico desfecho.

Os Peixes continuaram sua marcha, investindo contra tudo e todos, derrubando portas, destroçando paredes, derrubando casas.

Enredados pela violenta tempestade de Peixes, os Pescadores corriam de um lado a outro da aldeia, na vã tentativa de defender suas famílias e propriedades.

Após alguns minutos de ataque, que aos Pescadores pareceram horas, os Peixes voltaram ao mar, deixando na aldeia uma trilha de sangue e destruição, onde se retorciam corpos agonizantes.

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Ainda hoje, decorridos muitos anos, se escuta na aldeia-fantasma o lamento de dor que os Pescadores deixavam escapar, tentando salvar seus filhos pequenos e suas fêmeas grávidas.

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