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sábado, fevereiro 23, 2013

Se arrependimento matasse... (conto de Ronaldo Rodrigues)

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- Você vem sempre aqui?
Cantada velha, mas ela esta a fim de ser apanhada em qualquer cantada.
– Sim. Eu sempre venho aqui na esperança de ouvir uma cantada original. Mas essa serve. Vamos para sua casa?
Ele recua. Não está acostumado com essa facilidade. A cantada é sempre a mesma, a única que ele tem, mas nunca funciona. É apenas um protocolo que cumpre nos bares. Ele precisa disso para comprovar sua ideia de que todo homem bêbado precisa de uma mulher para findar a noite.
– Vamos ou não para sua casa? Ou prefere um motel? É casado?
Ele recua mais ainda. Está quase arrependido de ter iniciado a conversa. Além do mais, nem está tão bêbado assim.
– Vai responder ou não? Se não está a fim, diga logo. Não quero voltar pra casa hoje sem ter transado.
Ele não recua mais porque já tinha recuado muito.
– Vamos conversar mais um pouco.
– Sei. Você é das antigas. Mas não quero intimidades. Pra que conversar se amanhã ninguém se lembrará de nada mesmo? Aliás, é melhor assim, sem criar laços.
Ele permanece mais um tempo calado, depois fala, sem muita convicção:
– Tudo bem. Vamos a um motel aqui perto.
– Ótimo.

Chegam ao motel e ela logo fica nua. Deita-se na cama, enquanto ele vai ao banheiro. Quando volta, ela dispara:
– Ainda está de roupa? Você é muito vagaroso.
– É que eu não estou acostumado com essa... essa... 
– Essa o quê?
– Sei lá! Você tem razão. Sou mesmo das antigas. Preciso de um estímulo maior.
– Vou dar o estímulo que você precisa.
Liga as palavras aos gestos. Levanta-se e o joga na cama. Arranca sua camisa, abre o cinto, puxa a calça, tira a cueca e se joga em cima dele, que fica imóvel e não consegue corresponder às carícias cada vez mais quentes. Ela busca todo o seu arsenal de jogos eróticos, até que, finalmente, consegue que o corpo dele tenha uma reação.

Depois de alguns minutos, os dois fumam, quando batem na porta. Ela permanece calma, enquanto ele pula da cama:
– Quem será?
– Só abrindo a porta pra saber.
– Você tem alguma coisa a ver com isso? Qual é o plano? Me assaltar?
Ela vai até a porta, falando entre um sorriso sem graça:
– Que onda...

Ela abre a porta e atende à funcionária do motel, que lhe entrega um bilhete e se retira.
– É só um bilhete. E é pra você.
– Um bilhete? Pra mim? Aqui? Quem poderia saber que estou aqui? E quem mandaria um bilhete pra mim?
– Só vai saber se ler o bilhete.
– Eu vou ler, mas essa história está muito esquisita. Aposto que você tem alguma coisa a ver com isso!
– Deixa de paranoia e lê logo a merda desse bilhete!
Ele abre o bilhete e o lê várias vezes, em silêncio. Ela perde a paciência e arranca o bilhete de sua mão.
– “Cuidado! Você está em perigo!”. O que significa isso?
– E eu sei? Você deve saber! Tenho certeza de que está metida nisso!
– Escuta aqui, cara! Você já não é bem grandinho pra inventar essas histórias? Pra quê que eu ia armar pra cima de ti? A gente se encontrou por acaso na merda daquele bar. Se arrependimento matasse...
Ela não termina a frase. A funcionária do motel abre a porta novamente e dispara três tiros. Ela, com um resto de vida, ainda têm tempo para perguntar:
– O... que é... isso?
Ele, agora abraçado à funcionária do motel, sorri entre baforadas de cigarro:
– O bilhete não é pra mim. É pra você. É o tal do arrependimento. Como você pode ver, arrependimento mata...

Ronaldo Rodrigues

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