Desde de que a gente tem três anos de idade e consegue entender alguma coisa, começam a contar uma mentira deslavada e cruel, que habita muitas estórias infantis: o mito do príncipe encantado. Quem não passou horas na cama ouvindo a mãe, o pai ou a avô narrar a triste vida da gata borralheira? A pobre submissa e explorada, que vivia na faxina, sem final de semana, sem um cineminha ou uma distração?
Mas um belo dia, eis que toda esta tortura é transformada magicamente em felicidade, com a chegada do príncipe encantado, que ainda por cima era herdeiro do trono. Ou seja, tudo em sua vidinha medíocre muda da água pro vinho. Ou melhor, do farrapo pra seda pura.
Primeiro aparece uma fada madrinha, do nada, e a deixa linda de morrer para o baile.
Depois, cheia de auto-estima e segurança, ela manda a patroa e as mocréias das filhas dela catarem coquinho no mato. Tudo isso por que dançou uma valsa com o príncipe durante alguns minutos numa noite estrelada. Ah! Claro, outro detalhe importante: graças ao seu pé 35, que coube no sapatinho de cristal, o príncipe se apaixona por ela. Fala sério! Se um dia eu tiver uma filha, vou esconder estas estórias dela como se fosse uma arma carregada.
É claro que hoje em dia o repertório de livros anda muito mais vasto e criativo, graças a Deus e a autores infantis maravilhosos. Mas quem tem mais de 30 anos não teve acesso a tantas opções, e sabe que todas estas estórias só terminavam quando chegava a hora do casamento perfeito, seguido da felicidade eterna.
É incrível como ninguém se dá conta, mas isso grudou no inconsciente das mulheres de uma maneira que me dá medo. Toda hora eu escuto queixas de princesas desapontadas com os príncipes das suas vidas. E não são princesas com 5 ou 6 anos de idade, não. Elas são advogadas, administradoras, bancárias, mulheres entre 25 e 45 anos, independentes e analisadas. É claro que se você perguntar a qualquer uma delas se está procurando um príncipe, todas dirão que não, que eles não existem. Mas experimente pedir que façam uma lista de tudo o que esperam de um homem. Pronto!
Troque o carro zero por um cavalo branco e você terá a descrição perfeita de um. Não tem jeito. Fizeram uma lavagem cerebral na gente. A crença de que a vida vai ser tudo que sonhamos a partir do momento em que somos amadas por um homem perfeito é tão introjetada na mente feminina, que já se tornou um paradigma. E paradigma é assim mesmo: ninguém percebe que está dentro dele, a não ser que saia. Como um peixe dentro de um aquário, que pensa que o mundo está submerso. Simples assim.
As mulheres precisam formatar seus HDs, reprogramar suas visões e suas expectativas de uma vida inteira se quiserem ser felizes. Só isso.Mas vamos voltar às análises: Branca de Neve agora. Essa já desde pequena tinha uma relação barra pesadíssima com a mãe, que na verdade se dizia sua madrasta. Aquela inveja tão cruel revela, na verdade, muito mais coisas que nem vale entrar em detalhes aqui. Freud explicaria tudinho fácil, fácil. O problema é levar mães pra fazer análise. Ainda mais uma narcisa e psicótica que falava com o próprio espelho.
Quanto botox, quanta plástica pra nada. Tudo em vão, pois a Branca de Neve era muito mais bonita. E o que era ainda pior: mais jovem, e com a vida inteira pela frente pra conhecer um príncipe.Com uma mãe assim, o jeito era sair de casa mesmo. Se lançar a própria sorte, sem grana pro aluguel, sem conhecer a cidade, no caso, a floresta.
(Pra quem não sabe, sempre que tem floresta numa estória, ela simboliza o desconhecido, algo a ser descoberto, desvendado. Pode ser até mesmo dentro da gente. Normalmente é.)
No caso aqui, a Branca de Neve não teve propriamente iniciativa, mas foi impelida a tomar uma atitude, já que do contrário o lenhador a mataria, lembra? Ok, mas mesmo assim vamos dar um voto a ela, pois comparada à Cinderela, até que a bichinha foi bem corajosa. Tá certo que depois ela foi paparicada até dizer chega pelos sete anões.
Detalhe: todos baixinhos, gordinhos, com cara de vovô. Ou seja, a estória já separa bem: pra amigos eles serviam. Agora pra namorar, nem pensar! Todos eles eram caras legais, simpáticos, trabalhadores e educados, mas Branca de Neve estava em busca do Príncipe Encantado.Logo não deu mole pra nenhum deles. E foi justo quando ela comeu a tal maçã envenenada, quando tudo parecia ter um final trágico, o Príncipe Salvador de Destinos aparece para livrá-la de todo o veneno da madrasta, de todo o tédio da floresta e de uma vida inteira sem emoção nem aventuras. Daqui pra frente, a gente já sabe: eles se casaram e vivem felizes para sempre.
Agora eu pergunto: quem garante isso? Quero provas. Fotos da Branca de Neve depois de 2 filhos e 10 anos de casamento. Ninguém tem, né? Claro! Pra mim, a pior estória de todas, a campeã dos absurdos, aquela que deve ter feito mais vítimas das suas fantasias é a da Bela Adormecida.
A coitada nem vida teve antes que o príncipe beijasse seus lábios e a despertasse. Nem amigos bacanas tipo os sete anões, nadinha. Ela vivia presa num castelo, passando o tempo a fiar numa roca onde acabou furando o dedo, e sendo amaldiçoada a dormir por séculos. Ora bolas, o que é um sono desses, se não a própria morte?
Gente, pensa bem: o príncipe ressuscitou a pobrezinha, é mole? Quanto poder tinha esse homem? Antes dele, ela estava morta! Alguém tem alguma dúvida disso? Claro que antes do beijo ele lutou contra uns dragões imensos e botou todos pra correr. Afinal, príncipe que se preze tem que ser lindo, romântico e corajoso.
É por isso que eu digo: não existe sacanagem maior com uma mulher do que contar esta mentirada toda quando ela é criança. Depois crescemos e precisamos nos deparar com realidades que só acreditamos mesmo por que acontecem com a gente. Caso contrário, diríamos que é estória pra boi dormir.Mas uma coisa é certa: cedo ou tarde, antes ou depois de arrastar muita corrente, durante ou depois de muita análise, com 20 anos se for um prodígio de esperteza, com 30 se for bem observadora ou só aos 40 se for muito ingênua, você vai descobrir que:
1. Príncipes são de carne e osso e andam mais medrosos do que nunca. Medos todos idênticos aos nossos: de perder o emprego, de não ser promovido, de ser assaltado, de não ser amado, do dinheiro acabar antes do final do mês...Enfim, a lista é mais longa do que As Mil e Uma Noites.
2. Um namorado muito bonito pode dar bastante dor de cabeça, principalmente se ele tiver plena noção disso.
3. Um amor de verdade pode sim mudar a vida da gente pra melhor, principalmente se no enredo sobrar respeito, admiração, confiança, intimidade e cumplicidade. Construir uma relação assim que é uma tarefa pra herói, só que feita a dois.
4. A vida e a felicidade não começam quando você conhece um homem. Na verdade, elas podem até terminar exatamente aí, dependendo de quem ele seja. É bom ficar de olhos bem abertos.
Agora, independente de quem VOCÊ seja, como mulher, tem um compromisso intransferível consigo mesma: começar a ser feliz já, tendo ou não encontrado o homem da sua vida. Até por que não existe ímã mais poderoso pra atrair amores, empregos, sucesso e amigos do que a felicidade e o bom humor. E da próxima vez que você encontrar um livro de fábulas como esses que a gente conhece tão bem, mande pra mim.
Estou juntando tudo pra fazer uma fogueira em praça pública. Aliás, se há 40 anos as feministas tivessem queimado todos eles em vez daqueles sutiãs, hoje estaríamos contando estórias bem diferentes para os nossos analistas.
Texto: Luciana Von Borries
Fonte: FaRoFa