Bem lá no fundo da minha infância, sempre achava estranho quando ouvia meu pai dizer:
- No meu tempo não era assim. No meu tempo era assado.
Aí eu pensava (sim, senhores! Eu já pensava naquela época!): como assim no meu tempo? (quero dizer: no tempo dele). Se o sujeito está vivo, então o tempo que está rolando é o tempo dele.
Achava que aquilo era papo de velho. Achava bobagem. Acreditava que mesmo quando muitos janeiros passarem sobre minha carcaça, sempre estarei no meu tempo, porque o meu tempo é este tempo, o tempo que vivo.
Aí o tempo passou e me confere agora 47 anos vividos sobre este chão, sob este sol. Não sei se bem vividos ou mal vividos, só sei que idos. Percebi que comecei a envelhecer no exato momento em que fiz soar meu primeiro choro sobre a face da terra. Percebi que meu pai tinha razão. Afinal, este tempo, em que já cumpri mais da metade da minha existência (a não ser que eu seja, como muitos pensam, uma tartaruga e ainda tenha os meus 200 anos para viver) já me escapa entre os dedos. As areias da ampulheta já me sufocam, os papos que rolam já não têm nada a ver comigo, não aplacam minha ânsia de saber mais. Já me enchem o saco as coisas aprendidas, as discussões sobre a imortalidade da alma, o tempo perdidos em discussões sobre a relação, as gozações nascidas no seio da turma. Vejam como estou velho. Já não se diz mais turma, agora é galera. As minhas gírias já são de outro tempo.
Eis outro exemplo: escrevo no computador, mas, de vez em quando, bate uma saudade danada da máquina de escrever. Aquela máquina em que escrevi meus poemas adolescentes. Uma adolescência de outro tempo, agora sei. A máquina de escrever que nunca aprendi a digitar. A digitar não, a datilografar. O meu diploma de datilografia na parede acusa meu tempo fora do tempo.
E essa vontade e velocidade toda para se comunicar. Redes sociais, amizades virtuais. Sei muito bem que estou ficando chato com esse papo, meu caríssimo leitor. Deve ser a velhice. Sou um homem imprensando entre dois séculos, compreenda isso. Não pertenço à tecnologia, à blogosfera. Não sei escrever como os internautas. Faço questão de pontos, vírgulas, clareza. Minha insistência nesse campo do computadorismo exacerbado deste tempo deve-se ao leve desespero de me manter no tempo. Sou um dinossauro deitado na rede escutando discos de vinil, fato ainda não explicado pela ciência.
Mas nem tudo é ruim, claro. Sinto em mim e em alguns dos meus companheiros de um remoto tempo que meus valores carcomidos pelo tempo não estão fora de moda, jamais estarão fora do tempo. Ainda penso em respeito ao próximo, coisa que as pessoas deste tempo estão perdendo, ao mesmo tempo em que disparam, nos facebooks da vida, frases de confiança no ser humano. Pois bem!
Meu pai tinha razão quando dizia que seu tempo era outro. Foi preciso que o tempo passasse para compreender a importância dessas e de muitas outras coisas que ouvi sem dar a devida importância. Tempo de fazer as pazes com Deus, convidá-lo para uma cerveja, bater um bom papo ou ficar no mais beatífico silêncio.
Agora me despeço e vou cultivar as flores banais da minha existência, que parecem tão artificiais neste tempo de odores artificiais. Além do mais, já passou do tempo de terminar esta crônica.
Ronaldo Rodrigues
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