Entre a foz do Rio Jari, no Amazonas, e sua deslumbrante Cachoeira de Santo Antônio, há uma cruz de madeira, medindo três metros de altura por dois metros de largura, que há alguns anos é explorada como atração turística no Amapá. Debaixo dela jaz o teuto-brasileiro Joseph Greiner, ali sepultado em janeiro de 1936, vitimado pela selva. Feita sacrário, hoje a cruz é protegida por um telhado e encabeçada pelo entalhe de uma suástica – a cruz gamada de origens indo-tibetanas, popularizada como ícone incendiário do nazismo. Lápide improvisada, o necrológio da cruz explica: “Joseph Greiner morreu aqui em 2/1/36, a serviço da pesquisa alemã, vitimado pela febre – Expedição Alemã do Jary, 1935-1937.
A expedição ao Jari coincidiu com um capítulo insólito da história do nazismo. Chefe de um “Estado dentro do Estado” – o famigerado Departamento Central de Segurança do Reich, subordinado à SS -, o sombrio e esotérico Heinrich Himmler tinha uma obsessão: acreditava na fantástica “civilização de Atlântida”, cujos descendentes, “de raça pura”, presumiu no Tibet e na América do Sul. Na origem de seu esoterismo estavam “ariósofos” sinistros, antissemitas e também seu fascínio pelas pesquisas do mitologista Otto Rahn, sobre as fabulações do Santo Graal. Reciclando o Santo Graal como mistério pagão para a SS, Himmler inaugurara uma série de expedições para os recônditos do planeta, onde seus homens deveriam encontrar vestígios genéticos da “raça ariana”.
Em 1934 Himmler indica o jovem geógrafo Otto Schulz-Kampfhenkel, recém-filiado ao partido nazista NSDAP, como participante da primeira expedição alemã ao Tibet. Otto não embarcou e safou-se de uma tragédia, pois a maioria dos integrantes morreu na Nanga Parbat, depois do Everest, a nona montanha mais alta do mundo. A terceira expedição alemã, ocorrida em 1939, celebrizou-se com o livro Sete anos no Tibet, de Heinrich Harrer, oficial da SS (protagonizado por Brad Pitt, no filme de Jean Jacques Annaud).
Outra expedição de Himmler teria como destino a Amazônia, mas ocorreu apenas na imaginação fértil das confrarias esotéricas. Himmler e Schulz-Kampfhenkel voltariam a se encontrar, mas quem patrocinou a expedição ao Jari, como mentor do geógrafo, foi Hermann Göring, aviador durante a Primeira Guerra Mundial na esquadrilha de Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho, logo promovido a ministro da Aeronáutica de Hitler. Muito bem articulado com o complexo industrial-militar e os grandes bancos alemães, Göring já apadrinhara expedições anteriores de Schulz-Kampfhenkel, aviador como ele, e mais uma vez abriu-lhe as portas para a expedição ao Rio Jari.
Jari, final de 1935. Apesar da contratação de uns 30 caboclos-mateiros, familiarizados com a selva, foi uma operação tumultuada. Que o Jari era um imenso tapete pedregoso, repleto de cachoeiras, sem superfície de pouso para o hidroavião, era detalhe que os alemães já intuíam, apostando em condições mais apropriadas rio acima.
Enquanto Gerd Kahle, no comando da expedição, desafiava a lei da gravidade, forcejando contra a correnteza, na retaguarda Schulz-Kampfhenkel e Gerhard Krause chocaram os flutuadores do “Águia Marítima” contra toras de árvores submersas, entre Gurupá e Arumanduba, e o hidroavião espatifou-se sobre o Amazonas. Agarrados a um dos flutuadores, a mais de um quilômetro da margem amapaense do Amazonas, os dois alemães estavam sendo arrastados pela maré. Foram salvos por remadores caboclos, que Schulz-Kampfhenkel louva como “heróis da selva”. Estava gravemente comprometido o principal objetivo da expedição: o mapeamento aéreo da bacia do Jari.
Otto Schulz-Kampfhenkel, o “nazista da Amazônia”, terminou seus dias levando a vida que tinha pedido a Deus. Viajando, dirigiu dezenas de documentários educativos e científicos. Conta-me Falko Ahsendorf – diretor de fotografia em várias produções de Otto sobre a África e o Oriente Médio, nas décadas de 1960 e 1970 – que Mistérios do inferno selvagem, o filme sobre a expedição do Jari, estreado em 1938, tornou “próspero” o geógrafo-aviador, morto em 1989, aos 78 anos de idade. Mas de seu pai rico, a índia Cessé Schulz-Kampfhenkel nada sabia. E é onde começa outro filme sobre a aventura, agora contada de trás para frente.
* Este texto é muito interessante, porém muito longo. Leia a matéria completa (com fotos) aqui:
Publiquei no Jornal Ambiente Total - fevereiro a março/2012 com várias fotografias e material bem recheado sobre essas informações no Livro de Cristóvam Lins - Fundação Tumucumaque. Ele é uma das maiores autoridades sobre as histórias do Vale do Jari.
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