Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é doutra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José de Sousa Saramago (Azinhaga, Golegã, Portugal 16 de novembro de 1922 - Tías, Lanzarote, Espanha, 18 de junho de 2010) - Além de escritor, foi contista, dramaturgo, jornalista e poeta português. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1998, assim como o Prêmio Camões de Literatura. Dentre sua vasta obra, publicou três livros de poemas: PoemasPossíveis (1966), Provavelmente Alegria (1970) e O Ano de 1993 (1975).
No Response to "Poema de agora: A boca fechada - José Saramago"
Postar um comentário