Existem pessoas loucas por tecnologia. Você sabe disso, talvez até seja uma. Para essas pessoas, não basta que o celular transmita e receba a voz humana. O celular tem que ter GPS, gravar imagens, editar, fotografar, fazer massagem, fritar ovo, recitar Shakespeare e tomar conta das crianças.
Meu amigo Francis Ney, também conhecido como Download-Man, o Rei do Upgrade, autêntico representante da geração pontocom, é uma dessas pessoas. Louco por tecnologia, Francis Ney ficou sabendo da última palavra em detecção de câncer de próstata, o que lhe acendeu a vontade de procurar um proctologista e se inteirar da novidade.
Beirando os quarenta anos, Francis Ney há muito resistia à necessidade de saber como anda sua próstata. Ele sabe da importância disso, mas a perspectiva de ser apalpado intimamente por outro homem mexe com sua índole de machão latino. E a gozação dos amigos não dá trégua:
– Não vai te apaixonar!
Foi quando chegou a Francis Ney, através da internet (é lógico!), a alvissareira notícia sobre os métodos atuais, que evitam qualquer contato físico com o médico. A tecnologia avançou tanto que o exame é feito através da tela do computador.
O chip da curiosidade faiscou nos neurônios de Francis Ney e lá foi ele para o exame de próstata. O médico explicou como é feito o exame:
– Muito bem, seu Francis Ney. O senhor deve ter ouvido falar coisas horrorosas sobre o exame de próstata, mas verá como tudo ficou simples depois que inventaram este aparelho.
Francis Ney, com brilho nos olhos, contemplou o aparelho, que lhe pareceu uma câmera de vídeo.
– Parece uma câmera de vídeo.
– Isso mesmo. É uma câmera de vídeo. Aliás, uma super-hiper-mega-power-câmera! E o senhor terá o privilégio de ser o primeiro cliente a usar esta avançada tecnologia.
Francis Ney ficou maravilhado com mais um gadget*. Totalmente alucinado por engenhocas modernosas e avançadérrimas, foi logo enchendo o médico de perguntas:
– Qual é o aplicativo que o senhor usa? Qual é a extensão? Esse programa roda no Windows 98?
O médico vibrou com a curiosidade digital do cliente e deu uma risadinha um tanto neurótica. Examinando mais atentamente o aparelho, um pensamento passou pela superantenada e cibernética cabeça virtual digital & tal de Francis Ney:
– Não me diga que o senhor mete esse negócio no nosso... Quer dizer, no meu...
O médico continuou rindo e explicando:
– Tem gente que até gostaria, mas não é assim. Trata-se de um procedimento muito simples. O senhor fica de quatro e esta câmera faz todo o serviço.
– Continuo sem entender. E olha que sou fera nessas máquinas. Vou sacando logo tudo. Destrincho o manual do usuário. Em suma: eu mato a pau!
O médico riu mais uma vez e Francis Ney foi achando aquela risada cada vez mais sarcástica. O médico prosseguiu em sua sorridente explicação:
– O senhor fica de quatro e expõe toda a sua região glútea. Aí eu aciono o meu equipamento.
– Epa! Como assim?
– Calma! O equipamento a que me refiro é a câmera aqui ao meu lado. A sua... Bom, vamos falar de uma forma menos científica: a sua bunda será filmada, capturada, scanneada pela câmera. A imagem de seu orifício anal irá para o monitor do computador. E eu, com o mouse, farei o exame. É só levar a seta ao centro do alvo e poderei saber se o senhor tem ou não câncer de próstata.
Francis Ney não conseguia, e nem queria, esconder seu contentamento com mais uma sacada dos nossos cientistas:
– Muito interessante. Sem contato com o seu dedo e sem dor.
– Se o senhor sentir dor é porque tem câncer de próstata. E, como já notei que o senhor gosta desses avanços, tenho uma ótima notícia. Em muito breve, talvez daqui a três meses, a tecnologia médica terá avançado tanto que será possível fazer a intervenção cirúrgica desse mesmo modo. Com um simples clic! de um mouse.
Acentuando sua paixão por tecnologia e a vontade de querer ser o primeiro em tudo, os olhos de Francis Ney brilharam de novo. Todos os olhos (se é que me entende!). E falou para o médico, com a mesma risadinha sarcástica:
– Será que daqui a três meses eu já terei câncer de próstata?
* Gadget: termo em inglês que significa geringonça, dispositivo, equipamento com propósito e função específica, prática e útil no cotidiano. São comumente chamados de gadgets dispositivos eletrônicos portáteis como PDAs, celulares, smartphones, leitores de MP3 etc.
Ronaldo Rodrigues
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