por Fred Fagundes
Existe uma máxima impregnada sobre algumas supostas regras do sucesso: para ser real, para ter valor, para ser justo, tem que ser sofrido. Não se trata de uma teoria defendida e apresentada a eruditos acadêmicos, mas sim de uma verdade silenciosa que paira sobre os que gozam do conforto ou, no mínimo, caminham em direção a uma zona de bem estar.
Mas a matemática é inquestionável para os caçadores de fossa: quanto maior o esforço, mais celebrada será a recompensa.
O erro está no ato de forjar essa dificuldade (ou mesmo buscá-la obsessivamente), fazendo de Bukowski um estilo de vida. Algo assim equivale a entrega da poesia escrita à sua inspiração, fazendo a mesma perder seu significado imediatamente.
Não se pode forjar a dificuldade. Na verdade, não se pode nem procurá-la. O difícil está justamente no inesperado. Problemas surgem desde que você não pratique um primordial senso de humanidade — o desejo de mudança.
Em 1995, meu pai colocou toda a família dentro de um Escort 93 e cruzou 2.600 km, de Porto Alegre (RS) até Cuiabá (MT). Trinta e três horas de estrada direto. Mais as paradas. Já não me recordo do impacto da notícia da mudança. Mas bastam poucos segundos de concentração para lembrar de cada conversa nas cidades do caminho.
O interior do Brasil não era exatamente desenvolvido na metade dos anos 90. Cidades do interior do Paraná, Mato Grosso do Sul e, principalmente, Mato Grosso, eram de uma escassez tremenda. Pra um guri de 10 anos que não tinha ido além de Criciúma, tudo era muito novo e esclarecedor, graças a cada explicação do meu pai sobre a colonização do centro-oeste, a perspectiva de crescimento com o fortalecimento da agropecuária e as inúmeras fazendas que explicitamente praticavam trabalho escravo.
Ainda no Mato Grosso do Sul, não me recordo em que cidade, uma fila enorme se formava na entrada de uma fábrica. Ele questionou:
– Tu sabe o que é isso aí?
– Greve? – respondi sem a menor firmeza.
– Exatamente o contrário. Emprego. Todos aí querem emprego – respondeu, exemplificando da maneira mais prática possível, a enorme crise de desemprego que passava o Brasil na época.
Próximo de Jaciara, município a 145 km de Cuiabá, meu pai parou o carro e pediu para eu descer com ele. Sentou-se num banco de madeira e pediu para eu fazer o mesmo. Prometeu, ali, observando carretas que levantam poeira na estrada de chão, um discurso que pautaria a nossa vida nova. Eu, no aguardo de um texto motivacional e gladiador, me concentrei para desenvolver aquela tão consagrada segunda pele que nos faz abandonar a infância para virar homem.
O pai limpou o rosto com uma toalha. Coçou a cabeça. Olhou pro lado. Coçou a barba. Franziu a testa, mania que herdei. Encostou-se na parede que erguia o assento. Disse:
– Sabe qual é a primeira coisa que a gente vai fazer na primeira manhã em Cuiabá?
Silêncio.
– Achar um lugar pra jogar bola. – ele seguiu.
Eu gostava de jogar bola, então concordei. Mas ele percebeu que aquilo só me deixara mais confuso. Complementou.
– Mudamos. Sim, mudamos. Tá foda, vai ser foda. Mas isso não quer dizer nada. Amanhã, daqui 5, 10 anos, você não pode dizer que seus amigos tiveram mais chance que você ficando em Porto Alegre. O que você tá vendo, talvez eles não vejam nunca.
– Presta atenção: use essa dificuldade, não como muleta, muito menos como motivação. Use a vida dessas pessoas como aprendizado e, se possível, faça o que conseguir para ajudá-las. Faça o que acha certo.
A adaptação em uma cultura tão diferente como a de Cuiabá não foi nada fácil. Mas aquela lição da viagem, mais do que me apresentar uma nova noção de realidade, sempre perdurou durante as minhas mais árduas e significativas decisões.
“Pensar, trabalhar, criar para fazer o bem”.
Simples assim e respeitando quem achar o contrário. Pois não se trata de ser ranzinza ou de não conseguir conviver com quem seja. Não se trata de dar bom dia no elevador ou não gostar de quem dá. Mas sim, de compreender que a tua dificuldade não te faz alguém melhor — especialmente se você jamais descobrir o momento certo de colocá-la a seu favor.
O mundo é bom. Logo, meça a dor. Ou adormeça.
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