De Nazaré estava passando em frente ao bar e os outros
estivadores assoviaram alegremente, chamando-o para um trago.
Bom de copo como de trabalho,
De Nazaré pensou um pouco e concluiu que um convite feito com tanta sinceridade
e alegria não poderia ser recusado.
Deixou a pesada cruz
encostada ao lado do bar e abriu os braços para os amigos.
Todos gostavam de ouvir De Nazaré cantar, mas ele só
fazia isso quando estava bastante embriagado. Então bebeu, de uma só vez, meia
garrafa de pinga.
A bebida explodiu quente
nas engrenagens cerebrais e despertou o cantor apaixonado que De Nazaré sonhou
ser em sua juventude. Abriu a garganta, libertando o pássaro da voz, e fez com
que todos ali esquecessem, por alguns instantes, a miséria quotidiana e a coroa
de espinhos que eram obrigados a suportar.
Mais do que uma simples distração, as músicas eram um
alívio, acentuado pelo entorpecimento da cachaça. Uma trégua para quem tem que
colocar a carga do mundo nas costas e encher os porões dos navios.
Os outros estivadores bem que queriam que De Nazaré
continuasse a cantoria, mas sabiam que eles mesmos teriam que se retirar para
enfrentar o batente. Voltaram à realidade e se foram, deixando os restos de
peixe frito para os cachorros do cais.
Sozinho novamente, De Nazaré sentiu os pingos da chuva
que começava a cair. Tomou o último gole e, sob a precária iluminação do poste,
recolocou a cruz no ombro e caminhou em direção à ponte de tabuinhas irregulares
que levava aos navios ancorados na escuridão.
Ronaldo Rodrigues
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